Platónico ontem e platónico hoje.
Hoje em dia temos tudo à distância de um clique... Um toque, digo. Com tanto dispositivo touch que surgiu quase da noite para o dia, o "clique" é que começa a ficar antiquado. Assim como o amor, amor a sério. E amor a sério não são só aquelas palavras que entregamos ao vento e nos mostram a raiz da questão, do que "é realmente verdadeiro". Amor a sério também são as palavras que o vento levou antes de amadurecerem por completo, mas ainda assim levou-as, na esperança de uma colheita melhor se aproximar.
O amor não é uma ciência exata. É como cada um de nós, todos tão diferentes e ainda assim tão iguais... Um sentimento tão puro e único, tão nosso... Só podia ser à nossa semelhança. É um sentimento tão simples e no entanto tão complexo! Assim como cada um de nós, que temos detalhes tão nossos e outros tão vulgares. O amor é incrivelmente difícil de explicar.
Ainda assim as nossas palavras correm o mundo. Longas exposições verbais que vão ao fundo da questão, e nos mostram o que de mais verdadeiro um coração nos pode oferecer. E o que não é realmente real, "cheira e põe de lado", como diria o freguês.
Como é que alguém se atreve a ser tão exato e direto, no que só se define por confuso e complexo?! No meio de tanto clique aqui e acolá, foi o rato que vos apanhou na ratoeira. No meio de tanto touch para cima e para baixo, perderam o tato e só deixaram rasto — rasto esse escusado.
Mas o amor platónico veio bater-me à porta, já de madrugada, tarde e más horas, com um ar tremendamente indignado. Trazia um grande saco às costas, todo ele cheio de cartas de amor sem fim. Onde pares sucederam enquanto outros mal se deram; onde pares lutaram, tanto presos por um único fio, como agarrados à mais alta gama de segurança; e ainda onde enchiam os pulmões de ar, e de tanto ar, apenas suspiravam...
A era digital trouxe-nos tanto... Muito mesmo, é verdade. Mas não só nos ofereceu, como também nos retirou. Fala-se de amor platónico mas como esse é desvalorizado... Um sentimento que é tão abstrato e intenso, tornou-se em algo escasso e palpável. Hoje, abstrato é como fenómeno! Já nada é como antes...
Um amor platónico é, à partida, um amor desacreditado. Uma ilusão descabida pela qual só os tontos se deixam encantar. Talvez seja tonta, ou talvez o passado me traga ao colo, e junto de mim põe os seus costumes.
Pouco sei das suas histórias. Tantas que ficaram por registar... Já hoje basta uma ligação à internet e um nome de utilizador para descobrir mundos, outrora perdidos. Não é por perder a magia de descobrir pouco a pouco que me dá "comichão". Já todos percebemos isso. É que numa simples fração de segundo, as aventuras que essa pessoa tinha à nossa espera são apagadas. Ou até mesmo bloqueadas!
No entanto, expressões como "há muito peixe no oceano" nunca fizeram mais sentido. Para os nossos avós e bisavós, as festas locais mostravam todo o "peixe disponível" — completamente visível a olho nu. Hoje não há olho nu que chegue para tanta dating app, quanto mais o peixe que cada "embarcação" trás. O nosso platónico mais comum tornou-se em engraçar com feições tão (estupidamente) fotogénicas, para nos depararmos com descrições clichés onde o português é tão alternativo que até a própria abreviatura, como conceito que é, fica ofendida; apoia movimentos de tal forma incompatível que é a pior afronta possível; ou até não coincidem a nível musical ou afins e as diferenças "falam mais alto". Nesse momento não há absolutamente nada que segure essa pessoa no teu mundo virtual (menos ainda no real). Isso ou então foi só um vídeo que desvendou os poderes que a fotografia assumiu na nossa sociedade.
Mas e sentir as pernas bambas ou gaguejar? São coisas de alunos do ciclo! Conforme o secundário se vai aproximando, as queixas vão caindo a pique! Surgindo os exames nacionais, tendem a reaparecer, mas tudo indica nervos e nada mais... Parece que um pequeno almoço reforçado e uma boa noite de sono dificilmente ajudam — mas as tentativas persistem!
Já os nossos ancestrais demonstravam os ditos sintomas de forma mais continua... E agora? Culpem a ciência mais a "melhora de qualidade de vida"...
E no meio de palavras sem fim que tudo tinham para ser finitas, volto ao mais importante. Pondo as charadas de lado (e fracas piadas também)... O que é amor platónico hoje? Nada! Nada ao pé do que um dia foi. Já não há cartas quinzenais que descrevem as saudades e que mais o peito guarda; que, quando seguem rumo ao seu destino, a dúvida deixa os nervos à flor da pele por querer saber se são palavras em vão ou alguém conta as horas para que este envelope chegue! Como seria noutros tempos ansiar por alguém que apenas é uma grande dúvida? Hoje basta ver a mensagem e não responder que chega como prova de "falta de interesse absoluta". E ainda havia quem chegasse ao altar, e por mais anos que passassem, nem concreto ou abstrato que os impedisse de abraçar a realidade.
Os tempos eram outros e tanto poderia ser dito... Do campo à cidade, hoje o limite é o céu e o mundo vem na palma da nossa mão. Ainda assim, parece que cada vez mais nos afastamos de quem vem ao nosso lado, mas isso é mais geral que platónico.
Adaptámo-nos às mudanças e tudo mudou, já nada encaixa no que um dia foi. Resta a esperança que a magia dos detalhes do que foi venha noutras formas para o que ainda será! Agora olhamos para os nossos avós e mais além com um doce dissabor do que foi e não é mais, dos "para sempre" que se mantiveram de pé com ou sem final feliz, pensando que o amor como era não há mais. Mais tarde talvez olhem para nós e se atrevam a dizer que o amor renasceu, e aí a dor de cotovelo será outra... Mas a magia será maior. E não há magia como esta...!