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Amorosamente

Meros pensamentos dramatizados em verso e em prosa

Amorosamente

Meros pensamentos dramatizados em verso e em prosa

Ter | 29.09.20

Disco riscado.

H. Alegria

Num milhão de músicas que ouvi em repetição como um disco riscado, nenhuma me diz nada. Por norma, os discos riscados têm o dom de se apoderar das minhas palavras. Releio os meus textos onde nada faz sentido, releio os textos ao tom do respetivo disco e parece que as mensagens se juntam numa valsa e de algum modo consigo ouvir a mensagem... Ou ler, é confuso realmente.

Contigo, os discos riscados são só isso, discos riscados. Já corri todas as lojas de vinis desta cidade, corri uma por uma, e vasculhei cada vinil de cada género musical. Não há sinos. Não há palavras conduzidas por magia dos meus ouvidos à ponta dos meus dedos, e eu olho-me ao espelho observando o vazio em mim... Que te quer dizer tanto mas palavra nenhuma consegue pronunciar.

Sempre estive repleta de palavras, palavras muitas vezes desnecessárias e sem sentido, mas eram palavras sem fim. Pronunciava tudo e mais alguma coisa numa fração de segundo. A arte de tudo dizer sem nada realmente dizer... E contigo, não há palavras, sequer.

É um vazio que não sei descrever.

Ao mesmo tempo a minha vida nada tem de vazio deste que nela apareceste...

Minto. Na tua ausência há um vazio ainda maior. O vazio da expressão e o vazio de ti. Um vazio em dobro que me deixa apática... E o pior de tudo? Que nem assim tenho uma palavra a dizer, por mais irracional que seja, não há um único disparate a quebrar a minha estranha mudez.

Desde que apareceste que tudo tem vindo a mudar. Todos os dias são uma possibilidade de crescer como pessoas, e sinceramente parece que mudei tanto desde que te conheci, parece que cresci tanto... E nada ao mesmo tempo, por mais paradoxal que seja.

Sou mais uma pessoa na tua vida tão populada. E tu mais uma pessoa na minha... Gostava de dizer que sim, é tão simples e "insignificante" quanto isso, reciprocamente. Mas não posso dizer isso de mim. Há dias que parece que sim, és mais uma pessoa na minha vida, não mais importante que uns outros tantos, mas de todo não menos importante que muitos, muitos mais... Noutros parece que há uma esperança em mim que conta os dias, as horas, e os minutos por te ter por perto novamente.

E como num disco riscado, as palavras estão meio soltas e sem nexo, apesar de haver um ritmo que, quando realmente ouvido, parece guiar na direção certa... Acho que no meio de todo o paradoxal que trouxeste à minha vida, devia pegar nestes vinis que pouco ou nada dizem sobre ti, e tentar ouvir as palavras que ninguém quer dizer, aquelas perdidas entre linhas.

Seg | 07.09.20

Caixa de Pandora.

H. Alegria

Desde que me lembro que sonhava com uma família grande, ter muitos filhos, conseguir incentivar um forte vínculo familiar entre todos... Hoje rio de nervoso só com essas duas palavras... "Muitos filhos". As crianças não sabem nada! Tipo o preço dos brinquedos! Qual preço qual quê!

A minha mãe já me tem dito que eu queria ser cabeleireira, isto pela altura do infantário. Eu, o que lembro desde sempre, é querer ser educadora de infância... E não me admirava que isso tenha surgido devido àquelas duas palavras, "muitos filhos", porque eu em criança devia achar que não bastava ter a casa cheia! Mas ironias à parte, hoje até já vi que lido bem com crianças... Se me puserem quinze dias seguidos sem qualquer descanso com um pirralho ou dois talvez não seja tão linear assim... Para já, estou bem sem saber.

A verdade é que, pelo meu sétimo ano mais coisa menos coisa, começo a ver uns namoricos a aparecer. E pensando bem nessa vontade toda de ser mãe, não admira que eu quisesse tanto um namorico! Há que ter em conta que eu sempre fui o juízo em pessoa... Apesar das tais duas palavras máginas, pois claro. De resto, juízo a mais, atrevo-me a dizer. Eu queria um namorico mas era aquela coisinha de andar de mãos dadas, e saber essa coisa toda de gostar de alguém e essa pessoa gostar de volta...

Ora bem, não aconteceu... Se calhar ainda bem! Que aquela criançada, que no fundo pouco ou nada passávamos de crianças, só arranjavam dramas. E essas andanças logo tão cedo ainda adiantavam o relógio biológico que ainda se mantém na paz do senhor. Amén! Mas várias foram as bocas clichês de "não tenhas pressas" ou "não podes andar à procura que seja outra pessoa a gostar de ti". E fazia-me confusão, porque lá está, eu era uma miúda com curiosidades, ou sede de dramas até, queria saber essa dinâmica toda emocional que as novelas andavam a plantar nas minhas ideias há tanto tempo... Só que tanto clichê me mandaram que eu acabei por acatar com isso tudo.

Não é que fosse mudar o que quer que seja, mas tenho pena de ter ouvido essas frases batidas com tanta atenção. Eu sabia que não era por isso. Há quem queira ser futebolista e começa a treinar desde cedo para isso. Eu queria ir estudando passo a passo o campeonado da maternidade! Passinhos de bebé, salvo seja. E tudo bem. Cada um na sua.

Se essas frases batidas estão erradas? Não, não de todo. Eu não era uma miúda super resolvida e cheia de amor próprio aos 12 anos, nem aos 14, e sinceramente ainda menos aos 17. A adolescência não é fácil para ninguém, a minha não foi pêra doce, nem de perto nem de longe! Aliás, acho que estava melhor comigo aos 12 do que aos 16, foi piorando de ano para ano, porque é mesmo uma fase complicada. Para mim foi complicado demais, mesmo. Mas eu nunca quis procurar amor para mim, por não me saber proporcionar isso, e as pessoas tendem a associar muito o querer uma relação a querer consolo. Isso não é uma regra em lado nenhum!

Ainda estes dias vi uma publicação que era exatamente sobre isso. Um indíviduo que nunca conseguiu ter uma namorada, e como lhe apontavam o dedo exatamente nesse sentido... Que o problema era ele, que ele tinha de se amar primeiro, que ele não estava pronto... E não é por aí. As coisas acontecem quando menos esperamos e só por aí, o querermos tanto não joga a nosso favor, mas isso não significa que nós sejamos o problema! Esse sujeito não mudou nada, a dada altura, conformou-se que o amor não lhe batia à porta. E recentemente voltou a tentar, mais naquela de "vamos indo e vamos vendo", e surgiu uma pessoa que agora chama de namorada. Não mudou absolutamente nada, simplesmente aconteceu quando teve de acontecer.

Cada um tem os seus motivos para querer uma relação, sejam sonhos de criança seja simplesmente um "porque sim". Realmente, só acontece quando tem de acontecer. Mas não se trata de uma curiosidade desmedida por uma caixa de Pandora, nem uma busca cega por um consolo que só encontramos em nós próprios. Se calhar a Joaquina acha que é uma caixa de Pandora e é tudo de outro mundo, mas isso não signfica que a Jacinta ache o mesmo, se calhar simplesmente quer ter um bocadinho de namoro na sua vida e está no seu direito. E se calhar o Manel é mal resolvido sim, mas não significa que o Joaquim também o seja.

Nisto não há regra, no fundo quem manda é o senhor tempo e não vale a pena mandar mais qualquer bitaite que seja... Na verdade nem esse. Quanto ao senhor tempo posso sim agradecer por ter mais calma que o meu eu de 5 anos, que provavelmente esperava que eu já tivesse um bebé nos braços... Ou mais! Fora isso, os frustrados vão reclamar das suas frustrações como se de caixas de Pandoras e caças aos consolos se tratasse... Que quanto a isso, o que está dito dito está.