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Amorosamente

Meros pensamentos dramatizados em verso e em prosa

Amorosamente

Meros pensamentos dramatizados em verso e em prosa

Ter | 28.12.21

Esta cidade tem o teu nome.

H. Alegria

Esta cidade grita o teu nome.

Cada rua tem uma letra tua. Cada janela, uma silhueta... Os cartazes esboçam o teu rosto e os estendais enchem-se da tua roupa… A moradia que sonhávamos comprar? Têm-te tatuado no seu pátio. A varanda onde costumava-mos namorar? Alguém pendurou por lá o teu retrato.

Não há esquina onde não ecoe algo teu, ecoa a tua voz por toda a parte. O pulmão mais verdejante deste sítio sopra o teu cheiro e mais nenhum. As flores perfumaram-se de ti. Os pássaros chamam por ti. O trânsito grita por ti. E no silêncio ainda ouço o teu sussurro…

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Como se a cidade estivesse deserta, e só tu houvesses nela.

Mas a cidade não está deserta, está cheia. Cheia de gente… Cheia de vida! Enquanto que eu… Eu estou vazia.

Passou uma vida depois de ti e não há sítio que não me chame de volta a quando andavas por aí. Por mais décadas que passem estás por toda a parte. Por cada praceta, rua e avenida, procuro o seu nome e leio o teu. Porque és tu. És tu que estás em todo o lado. Não há sítio que não tenha feito de ti morada.

Um fantasma do passado que não morre. Um fantasma do passado que não abandona este plano. Um fantasma do passado tão vivo neste presente, que por mais que eu siga em frente não me larga nem por nada.

Conformei-me com a tua presença em cada canto. Conformei-me com teres feito casa vitalícia num canto qualquer do meu peito. Conformei-me em ter-te sem te ter, em seres parte de mim por maior que seja a eternidade desde a qual partiste...

Conformei-me contigo porque me restou esta cidade. Esta cidade que és tu.

Photo by Andres Urena on Unsplash

Ter | 21.12.21

Conheci o pior de ti.

H. Alegria

Tenho tanto para te dizer.

Não durmo nem de noite e nem de dia... Isso, ou o dia passa a correr. Ou não passa sequer!

É um nó que tenho. No estômago, na garganta... Nos pés e na alma... Na consciência. Carregar uma culpa que não é minha. Carregar o peso da moral com que não me comprometia.

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Cada dia que passa é mais um dia de "e ses". De "terei eu sido muito egoísta?", de "será que a culpa realmente não me cabia a mim"... A minha consciência diz que cabia. A tua continua, de dia para dia, serena e tranquila. Enquanto que eu me atropelo em dúvidas e devaneios. Enquanto que a consciência me pára o relógio... Ou espera para contar tudo à minha almofada.

Pergunto-me, vezes e vezes sem conta, se paira em ti alguma culpa de todo. E quantos crimes cometeste até hoje? Pergunto-me que crimes pode ela ter cometido para te transformar neste traste... Este traste que ninguém pinta de ti, este traste esboçado na tua própria sombra... Queria ter um lápis branco para o delinear melhor e assim trazer à luz do dia o que há em ti de pior. Porque não há luz no mundo que me mostrasse esta silhueta.

Pergunto-me se te conheço. Eu jurava conhecer-te! Tanta confiança numa só pessoa para ser mais uma. Não mais uma noite, mas mais uma notificação que acende o telemóvel do teu lado do quarto... Quando o dela permanece apagado.

Apagado como ela, que mantém os seus olhos fechados.

Eu não conseguia.

A minha melhor amiga pintava os homens como trastes. Desconfiava deles por tudo e por nada. A tua sombra mostrou-nos que realmente não há luz no mundo que nos permita ver o esboço no seu todo.

A minha melhor amiga pintava os homens como trastes e eu achava demais... Até que te conheci. Até que conheci o pior de ti.

Photo by Sunguk Kim on Unsplash